Monday 8 December 2008

EXPOSIÇAO - TURN ME ON

Exposição
Turn Me On
Pavilhão 28 do Hospital Júlio de Matos |
13 a 30 de Dezembro | Seg. a Dom. das 10h às 19h30

Inauguração:
13 de Dezembro / 15h
Dj Set Tra$h Converters


It is not the art object that is exhibited in the museum, which should be enlightened, examined, and judged by the museum, as in earlier times; rather this technologically produced image brings is own light into the darkness of the museum space – and only for a certain period of time…

BORIS GROYS, Art Power, Cambridge/London, MIT Press, 2008.

Através de um processo de selecção, de um deslocamento para um espaço delimitado, e de mecanismos expositivos e interpretativos o museu assumiu-se como lugar, real e metafórico, de visibilidade e luminosidade, ecoando a herança das Luzes e prolongando-a até ao "white cube". De entre as diversas alterações que o século XX introduziu ao nível dos media e dispositivos artísticos, o vídeo diferencia-se ao trazer a escuridão para estes espaços de luminosidade. Ou seja, ao apresentar uma luz própria que requer a escuridão em redor, o vídeo parodia, através dos requisitos técnicos que lhe são próprios, a aspiração iluminista da instituição. A necessidade de “estar ligado” assinala este potencial crítico subjacente ao vídeo.
“Turn me on” é também uma expressão ambígua, com uma carga semântica associada ao desejo – “excita-me” – que ajuda a compreender o estatuto contemporâneo da imagem e, em especial, da imagem em movimento. Ao longo de diversos séculos, a imagem constituiu, na cultura ocidental, um mecanismo de corte na totalidade da vida, permitindo a inscrição da cultura no contínuo do real. As possibilidades tecnológicas dos dispositivos industriais e pós-industriais permitiram a mobilização daquele que era um modo de fixação. Deste modo, as imagens reaproximam-se do fluxo da vida e assumem uma mobilidade desejante. No espaço expositivo o vídeo através dessa dimensão cinemática – mas também mediante a relação luz/sombra e a dimensão sonora – gera um lugar especial de atracção sobre o espectador, contrariando uma possível despotencialização da arte. Ou seja, simultaneamente aproxima-se e distancia-se de uma sociedade pós-espectáculo caracterizada por uma estimulação generalizada.
A presente exposição fundamenta-se e justifica-se em termos contextuais, enquadrando-se no âmbito da publicação Videoarte e Filme de Arte e Ensaio em Portugal, promovida pela Associação Número. Neste sentido, não procura ser uma mostra representativa quer em termos temáticos, quer em termos geracionais, embora o núcleo duro seja da década de 90 – João Tabarra, Alexandre Estrela, Miguel Soares, José Maçãs de Carvalho, Pedro Cabral Santo. Considerámos, ainda, importante integrar dois nomes responsáveis pela introdução da videoarte em Portugal – Ernesto de Sousa e Julião Sarmento; assim como dois representantes da geração de 2000 – Maria Lusitano e Susana Mendes Silva; e três artistas emergentes – Paula Roush, André Bastos e Artur Moreira.
No limite, o objectivo da exposição é o de deixar circular as vozes dos espectadores e do próprio vídeo, condensadas na expressão “TURN ME ON”.


[Bruno Marques, Israel Guarda, Ivo Braz, José Oliveira]


Alexandre Estrela (n. 1971)
O Nível do Mar, 2006
Instalação vídeo, aparelho de nível, vídeo transferido para DVD, cor, s/som, s/fim, dimensões variáveis
Cortesia do artista.

É do senso comum que o nível zero corresponde ao nível do mar. No entanto, existem zonas de grande profundidade que alteram este dado, podendo estas criar depressões na sua superfície. Nesta instalação é um aparelho laser, usado para traçar níveis, que força uma imagem de mar a uma depressão, de forma a fazer coincidir o seu traço laser à linha do horizonte marítimo. (Alexandre Estrela)


André Bastos (n. 1982)
Corredor no Túnel, 2008
Instalação (MDF, manga de plástico, sensor, computador, projector)
Cortesia do artista.

Referenciando formalmente as obras pioneiras de Bruce Nauman, Live-Taped Video Corridor (1969-70) e Going Around The Corner Piece (1970) – no sentido do uso claustrofóbico do espaço, e de circuito fechado sem princípio nem fim – a obra de André Bastos faz uso da sedução para atrair o espectador a um espaço isolado, ficando entregue a si próprio e levando-o, consequentemente, a um engano. As estratégias de interpelação do espectador, através da sua participação activa (a obra só existe em função da sua presença) são paradigmas que têm a sua origem na dimensão performativa das mesmas, aqui aproveitada para questionar os mecanismos da percepção, e, de uma maneira metafórica, experimentar a repetição e isolamento, num ambiente deceptivo. (J. O.)


Artur Moreira (n. 1967)
Came, 2008
Vídeo, cor, som, 22’
Cortesia do artista.

Um indivíduo afasta-se num percurso linear e objectivo ao longo de um corredor. Ouve-se apenas um ruído de fundo produzido pelo carrinho que empurra. No fim do corredor percebemos que o sujeito é o artista, que agora se aproxima na nossa direcção, sobre o carrinho e empurrado por um sujeito incógnito. Neste trajecto inverso interpela-nos um discurso, imperceptível no início, mas depois claro: “Masturbei-me… na Dinamarca, Paris, Lisboa – Portugal...”. Instala-se neste curto instante a provocação, mas num tom cru, frontal, quase inocente, como todo o desenrolar da história, potenciado quer pela rudeza do espaço e das imagens, quer pela analogia caricata do facto de o artista ter sido marinheiro. O artista ritualiza assim no seu corpo o confronto com o outro e a auto-ironia. (I. G.)


João Tabarra (n. 1966)
O Encantador de Serpentes, 2007
Projecção vídeo, cor, s/som, 5’10’’
Cortesia do artista.

No não-lugar de uma paisagem de subúrbio um homem luta com uma mangueira, num confronto que o loop torna infindável. Assim descrito, este vídeo remete-nos imediatamente para o universo de João Tabarra, onde a ironia e o absurdo abrem fissuras na malha rígida do real. Entre a potência, que a mangueira assinala, e a impotência de um personagem a meio caminho entre D. Quixote e Buster Keaton, o Encantador de Serpentes dirige o processo de desconstrução para o sujeito auto-suficiente e auto-fundamentado da modernidade. Podemos ver aqui uma abordagem irónica da habilidade oficinal, da relação, que a tradição tornava segura, entre o artista e os seus utensílios, e, por conseguinte, da hiperbolização da subjectividade contida no sujeito criador. Mas podemos igualmente recordar o burlesco dos primórdios do cinema e rirmos, conscientes ou não de que estaremos a rir de nós próprios. (I. A. B.)


José Ernesto de Sousa (1921-1988)
Nós Não Estamos Algures, 1969
Filme, 35 mm, p/b, sobre a preparação, ensaio e apresentação do mixed-media Nós Não Estamos Algures, editado e transferido para DVD, p/b, som, 5’04’’ (2008)
Cortesia: Isabel Alves.

Antes do aparecimento do vídeo, o cinema experimental, a projecção de imagens fotográficas e grafismos, a performance e a música improvisada eram alguns dos meios utilizados pelas neo-vanguardas dos anos 60. Com preocupações ligadas à comunicação e participação do público, Ernesto de Sousa conjugou todas estas valência naquela que se pode designar como a primeira obra de mixed-media em Portugal, Nós Não Estamos Algures. É também a Ernesto de Sousa, em colaboração com o Goethe Institute, que se deve o primeiro encontro em Portugal (Janeiro de 1976) de apresentação, crítica e debate em torno da videoarte, mostra que incluiu obras de Richard Hamilton, Wolf Wostell, Joseph Beuys, Rebecca Horn e Alan Kaprow entre outros. (J. O.)


José Maçãs de Carvalho (n. 1960)
Video Killed the Painting Stars, (Newton) #8, 2007
Vídeo, cor, 5’58’’, loop
Cortesia: Galeria Solar/Curtas de Vila do Conde e Galeria VPF Cream Art.

A televisão está para a rádio assim como o vídeo está para a pintura. Era o que se poderia deduzir da modificação, operada por José Maçãs de Carvalho, ao título de um êxito pop de 1979 da autoria dos Buggles (“Video Killed the Radio Star”), em que se narra a carreira de um cantor da rádio, encurtada pelo aparecimento da televisão. Porém, no caso da obra de José Maçãs de Carvalho, o vídeo funciona como registo da passagem de uma fotografia a “pintura”, através da destruição/manipulação de uma imagem emblemática de Helmut Newton (Self-Portrait With Wife and Models, de 1981), que faz justamente referência à célebre pintura de Velásquez Las Meninas (1656), através de uma composição cuidadosamente elaborada no âmbito do seu universo particular. A retenção do olhar que olha o fotógrafo (mulher de Newton) é o elemento mais significativo que permanece na obra, que resiste, e é testemunho da transformação operada. (J. O.)


Julião Sarmento (n. 1948)
Dirty Diana, 2003
Vídeo transferido para DVD, cor, som, 11’24’’17Fr
Cortesia: Cristina Guerra Contemporary Art.

No atelier do artista uma mulher performa um strip-tease para um “ausente”. O espectador, adoptando esse olhar, ocupa o espaço dessa ausência como “intruso”. O diferimento espacio-temporal intrínseco ao medium despoleta um deleite desconstrangido, porque fora da normal visão da circularidade pública. Mas na partilha do espaço com outros visitantes somos assaltados pela “consciencialização da vergonha do olhar indiscreto” (Sartre). A deslocação da responsabilidade deste olhar sobre o espectador resulta num desvelador incómodo: escravizado pela compulsão de continuar a ver, torna-se vítima do seu próprio olhar. No processo de auto-consciência que desmonta o processo voyeurista, sentimo-nos assolados por uma alteridade súbita de papéis ante uma imagem que atrai e reflecte o olhar que a olha. (B. M.)


Maria Lusitano (n. 1971)
The Man with an Excessive Memory, 2005
Vídeo, cor, som, 10’
Cortesia da artista.

Maria Lusitano trata o caso do João Maria, uma pessoa com excesso de memória. Curiosamente, vimos nela fortes analogias com o personagem Ireneo Funes, de Jorge Luís Borges, que sofre da mesma patologia. Ambos vivem reclusos duma realidade suspensa, perdendo a capacidade de processar novos acontecimentos, contudo nesta transitoriedade têm capacidades extraordinárias de relembrar com detalhes meticulosos uma data precisa no tempo. Neste incessante processo de retenção e acumulação de informação, Maria Lusitano procura recriar uma narrativa sobre o personagem, reescrevendo através da palavra e da imagem um filme onde explora os meandros do caso, que também pode ser em certa medida o caso do sujeito contemporâneo, levado aqui ao extremo. (I. G.)


Miguel Soares (n. 1970)
Your Mission is a Failure, 1996
VHS transferido para DVD, cor, som
Cortesia do artista.

A esteticização generalizada, de que os jogos de computador são um exemplo, assinala ironicamente a realização invertida das aspirações vanguardistas de uma transformação da ética pela estética. Your Mission is a Failure ecoa esta situação não apenas no seu título. Miguel Soares regista, e traz para o contexto da arte, actividades que desenvolveu no âmbito de dois jogos de computador, Dark Forces e Duke Nukem. As dimensões apropriacionistas e performativas, que no contexto das vanguardas serviam o propósito de ligar a arte e a vida, são aqui desviadas para uma lógica própria, que é a lógica do jogo. Contudo, assumir que a virtualidade tem uma ontologia própria não é a negar a realidade. É compreender que a realidade mudou. (I. A. B.)


Paula Roush (n. 1971)
Persuasive Probes (1- space captology), 2008
3 elementos (escultura cinética, câmara cctv, plasma)
Cortesia da artista.

Paula Roush conjuga uma pequena escultura cinética de um satélite com o aparato tecnológico de uma câmara cctv, explorando o universo visual das missões espaciais internacionais. A citação da “captology” de B. J. Fogg, ou seja, da análise do modo como as novas tecnologias alteram o nosso modo de agir e de pensar, é aqui deslocada para o contexto artístico, retomando uma questão fundamental da história da arte: qual a ligação entre a arte e a realidade? Perante a fragmentação de um real fortemente mediatizado, a imagem deixa de apresentar um défice ontológico e passa a fundamentar-se a si mesma, remetendo apenas para o próprio processo de proliferação imagética. Porém, na actual sociedade pós-espectáculo, torna-se igualmente o lugar onde podemos repensar a relação entre o sujeito e o mundo. (I. A. B.)


Pedro Cabral Santo (n. 1968)
Enjoy the game – you were enlisted by the star fleet. (Help me to understand that only a few things really are necessary in life...), 2005-06
Vídeo, cor, som, 9’. Planos vídeo, loop, rádio
Cortesia do artista.

Pedro Cabral Santo mostra uma imagem do espaço astral em curtas sequências repetidas, cruzadas por um flash de luz colorida, dando a sensação de deslocação e reposicionamento. Sobre este fundo corre rapidamente um genérico que faz deter a atenção, mas só passado algum tempo é que se consegue perceber alguns nomes aí contidos (Nintendo, Fun Games, inc, Universal, entre muitos outros). Estamos perante uma mensagem cujo tempo desconhecemos, enviada porventura através de uma frequência rádio do futuro, como parece sugerir o ruído de fundo. Esta descontextualização espacio-temporal produz uma sensação de estranheza para nos levar a entrar no jogo, envolvendo-nos nos meandros do desassossego e a questionar o carácter irrisório da realidade em processo de devir. (I. G.)


Susana Mendes Silva (n. 1972)
Ritual, 2006
Vídeo, PAL, cor, som, 5’49’’
Edição de 3 + 1 P.A.
Cortesia da artista.

No “Transtorno Obsessivo-Compulsivo” o paciente é recorrentemente assediado por pensamentos de natureza obsessiva, que embora absurdos encontram temporariamente alívio em determinados comportamentos ritualistas. Vê-se um exercício de aprendizagem de memorização, como um castigo auto-imposto, reportável ao ensino primário. Para além do carácter penoso (e entediante) da acção, directamente transferido para o tempo de recepção videográfico, a audiência é levada a acompanhar o desenrolar do evento através do alinhamento com o ponto de vista de quem o performa. A projecção estrutural funde-se com a esfera psicológica quando se compreende que o olhar é reflexo de uma acção compulsiva que nos espelha. A repetida sobreposição da frase inscrita desemboca numa ilegibilidade que pode ser tomada como correlato de “esquecimento”. Metáfora de resistência/recalcamento perante uma realidade assombrosamente familiar. (B. M.)



Tra$h Converters
A dupla Tra$h Converters representa a faceta lúdica de editora Variz. Miguel Sá e Fernando Fadigas são dois dos rostos mais antigos na divulgação da música electrónica em Portugal. Através da editora/promotora Variz, do projecto Producers e dos Tra$h Converters, reciclam o passado à luz do presente, indicando caminhos futuros, com os seus insólitos DJ sets Electro-Noise-IDM-Techno-Pop-Acid-House.

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